25.11.09

24 de Novembro 2009 - 7ª AG - Aristides de Sousa Mendes - o seu código de ética

47 participantes, incluindo CCLL dos LLCL Lisboa Alvalade, Lisboa Centro, Lisboa Monsanto, Lisboa 7 Colinas, Lisboa Tejo, Cascais Cidadela, Oeiras, Oeiras Tejo a companharam o nosso Clube na nossa 7ª AG em que foi admitida uma nova sócia, a CL Evelyn Houard.  Foi palestrante a CL Miriam Assor, do LC Lisboa Alvalade. A comunicação foi muito apreciada e muio vivo o debate que se seguiu. Aqui se reproduz o texto da intervenção, gentilmente cedido pela CL Miriam Assor:

"Estimada Companheira Teresa d' Avila,
Estimados Companheiros,
Muito sensibilizada pelo gentil convite que tanto me honra.
Palestrar neste digníssimo Lions Clube Lisboa Mater, o primeiro Clube da Península ibérica, fundado por um corredor de ilustres; Amadeu Gaudêncio, Bellard da Fonseca, João de Korth, Luís Loura, Luís Lupi, Pereira de Oliveira e o meu tão saudoso amigo Sam Levy, fará parte do meu mestrado de vida lionistica.

O meu querido e saudoso pai ensinou-me que a memória é o ventre da alma e que a ética é o epicentro da civilização. Pessoa, ou país, sem este par de valores está mutilado. Falta-lhe o braço do respeito. A mão da eternidade. Corações assim, não vivem. Apenas respiram.
Os gregos chamaram “Casa da Alma” à ciência da moralidade; Saber de conduta cuja pretensão alegórica é a Felicidade, essa ventura suprema que não consiste nos prazeres, nas riquezas, nas honras e nas vénias despropositadas, mas na vida virtuosa. A Ética é, indubitavelmente, o bailado perfeito entre a virtude, justiça e prudência, aperfeiçoada pelo hábito no seu exercício pleno e orientada por um fim, um bem. Ao lado da metafísica e da lógica, um comportamento ético não pode ser descrito de forma simplista. Não será considerado o que é “Bom” para o próprio indivíduo. Obviamente. Mas para a sociedade. A definição do “Bom” previsto pela Filosofia encarado não como sendo o inverso do mal acata a universalidade dos princípios éticos versus “a ética da situação”. Com atenção concluiremos que tudo o que está certo ao alcance da consciência no devido momento e no clarão do imprevisto depende das circunstâncias e não de qualquer lei geral. Mais: a bondade é determinada pelos resultados da acção ou através dos meios pelos quais os efeitos são alcançados em plenitude.

Sabemos; o homem vive em sociedade, convive com outros Homens e, portanto, cabe-lhe pensar e responder à seguinte pergunta: “Como devo agir perante os outros?”. Trata-se de uma pergunta fácil de ser formulada, mas difícil de ser respondida. E é esta a questão central da Moral e da Ética. Se a dificuldade teórica alcança tacões altos de solução, na prática será, para a maioria, um firmamento inatingível. O código de ética de este nosso preclaro movimento de pessoas que se propõem, sem fins políticos ou religiosos, promover os princípios éticos, o bem-estar da colectividade e o congraçamento universal, é leal à "Ética a Nicômano", essa bela obra Aristotélica. Um Companheiro Lion não precisa de mudar a sua conduta para abraçar o Lionismo, considerado por Winston Churchill como “a mais brilhante ideia de todos os tempos". Se o abraço vem sincero e sentido significa que, antes da oficialização, já tinha adoptado tal direcção. O Companheiro apenas intenta aperfeiçoar-se para assim aperfeiçoar a humanidade.

Aristides de Sousa Mendes não pertenceu a nenhum Clube Lion. Não há registo que prove, sequer, a sua microscópica ligação burocrática ao Lionismo. Mas quem conhecer o código de ética que rege esta nossa querida e admirável casa e a senda ímpar de Aristides Sousa Mendes ficará surpreendido. Poderá, inclusive, desconfiar com tamanha coincidência existente entre um homem e um conjunto de regras espirituais: “Construir e não destruir. Servir e não servir-se. Decidir contra mim mesmo no caso de dúvida quanto ao direito ou ética de meus actos perante o meu próximo. Ajudar ao próximo, consolando o aflito, fortalecendo o débil e socorrendo o necessitado”. As referidas frases foram concebidas para toda a criatura e, sabemos, infelizmente, são poucas, quando verificamos as acções no mundo, aquelas que conseguem, podem, e querem, na pior das hipóteses, as seguir. E não só. É urgente não nos abstrair da ocasião, do momento em que desperta, nasce, renasce a atitude ética. Dirão os básicos: a função de um cônsul é ser porta-voz do seu governo e do seu país em terras estrangeiras, não importa que tipo de governo ele representa, democrata ou ditatorial. Segundo a ética kantiana o dever do Homem está acima do seu bem-estar. Emanuel Kant garante que a única coisa passível de ser considerada boa sem restrições é a noção de boa vontade exactamente por consistir na maneira de diferenciar uma acção boa de uma acção má. Ao ir contra uma decisão governamental da qual era porta-voz, Aristides de Sousa Mendes deixou de ser ético para com o governo do seu país e passou sê-lo para com a humanidade, o que prova que nem sempre as morais vigentes que formam os conceitos da ética como ciência são dignas do género humano.

A coragem é, disse Aristóteles, a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras. Aristides de Sousa Mendes teve coragem, coração e consciência em horas de tempo veloz de covardia, dias e dias de crueldade e anos de cegueira. E alma viva que assim se comporta ultrapassa a duração da civilização. É a eternidade humana numa estação secular. A sua decisão excede o limite mortal. Mais forte do que quatro mundos reunidos está a acção de Aristides de Sousa Mendes, arquitecto da benovolência que edificou justiça. A História, a História que dói, tratada sem cerimónia, escrita a tinta e nunca a lápis, entoa um hino. O diplomata. Ninguém por mais abnegado e filantropo que fosse repetiu o seu gesto. Ele. Só ele. E não um exército. Ou uma multidão. Caros Companheiros, foi um homem e não mil homens que executaram a maior operação de salvamento durante o Holocausto. Aristides de Sousa Mendes. Figura de casta irrepreensível, vaticinador que anteviu a decapitação da complacência, digno diplomata português que, em 1940, exercia as funções de cônsul de Portugal em Bordéus, obedeceu à moral e aos valores que regem a parede mestra da vida e rejeitou a delinquente Circular 14 - o ignóbil despacho assinado por Salazar, emitido a 11 de Novembro de 1939 - que, sem prévio aval oficial, não autorizava os consulados a ceder vistos a quem estivesse no gatilho nazi. Expedida 41 dias após a invasão hitleriana à Polónia, a sentença era rigorosa e cirúrgica; sem consultar o MNE, os cônsules de carreira estavam proibidos de conceder vistos consulares a estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio, aos apátridas, aos portadores de passaportes Nansen, aos russos e àqueles que apresentassem nos seus passaportes qualquer sinal de não poderem regressar livremente ao país de onde provinham; aos judeus expulsos dos países da sua nacionalidade ou daqueles de onde vinham. A 24 de Maio de 1940, a ditadura paria outra luz negra;Circular 12, que continha instruções incongruentes sobre a concessão de vistos. Trasladava a vontade e a desumanidade de não permitir aos refugiados a permanência em Portugal. No mesmo dia que Paris era avassalada pelas tropas sanguinárias de Hitler, a 14 de Junho de 1940, Salazar teima e expede a circular 23, a directriz que vinha inflamar ainda mais a aflição dos refugiados: os vistos de trânsito por trinta dias só podiam ser dados aos refugiados que possuíssem bilhetes de transporte para fora de Portugal e um visto de entrada num país de destino. O significado de esta manobra era demasiado claro para que o Cônsul não o percebesse: aparentemente, Salazar procurava impedir que os refugiados ficassem em Portugal; na prática, o número de refugiados que pudesse adquirir e apresentar, na babel de um país em guerra em plena derrota, como era o caso da França em 1940, bilhetes de transporte para fora de Portugal, seria certamente ínfimo: estava-se perante uma sentença de morte.

Aristides de Sousa Mendes pediu e pediu autorizações, mas nenhuma solicitação sua foi aceite. Começou por assinar passaportes a casos pontuais e sempre repreendido com ameaças de ser deposto das funções. O medo nos heróis, esses mortais que estão acima do momento, não faz casulo. Mais elevado do que o peso da sua numerosa família e das intimações manhosas disciplinares estava a angústia da imensidão de refugiados, que, amargurados, aguardavam o milagre nas imediações do consulado português em Bordéus. Durante três noites e dois dias de Junho de 1940 retirou-se no seu quarto. Reflectiu. Rezou. Não saberemos. Antes do terceiro Sol se pôr saiu dos seus aposentos um homem de meia idade cujos cabelos enbraqueceram. A natureza não tinha percebido a velocidade da decisão. E o milagre lúcido, vindo de uma providência de bondade e bravura, aconteceu. Aristides de Sousa Mendes, profeta de uma bíblia por editar, passou vistos. E vistos. E vistos. Podia, finalmente, ter pensado nos seus 14 filhos. Podia ter sido igual a todo o pai. Podia ter pensado na mulher. Podia pensar em si mesmo. Mas não. Saiu da cidade. Dirigiu-se à fronteira. A sua caneta cumpria a sua moral. Salvar. Salvar rimou, rima com a coragem de escapar ao álibi miserável da disciplina burocrática para colocar a sua vida ao serviço de uma opção ética.

Que ninguém duvide: Aristides Sousa Mendes estava longe de ser um opositor ao salazarismo, o diplomata que o destino colocou na História como Cônsul em Bordéus era um conservador, um homem de família e de princípios cristãos tradicionais – talvez o paradigma daquilo que o regime tinha por seus apoiantes mais óbvios. Tudo isto, todo este perfil conservador de Aristides Sousa Mendes, só torna mais heróica a sua posterior opção de ruptura, não com um regime que ele nunca terá contestado, mas com uma filosofia comportamental que esse mesmo regime destilou como doutrina estratégica de oportunidade. O caso de Aristides Sousa Mendes é uma história notável que acarreta importantes lições de ética deontológica, a qual nos coloca perante a necessidade de ver o mundo através do prisma dos princípios, subalternizando pontualmente a mera obediência burocrática, que é o refúgio triste onde muitos atenuam a cobardia de uma decisão que pressentem errada. A acção de Aristides tem corrente sanguínea das excepções. Homem que sofreu o choque emocional de uma situação de tragédia e, num instante de grande angústia, decidiu colocar-se do lado do que entendeu ser uma leitura ética, a qual, em face da sua formação humanista, assumia uma preeminência perante a fria lógica subjacente às ordens que recebia.

Aristides de Sousa Mendes não foi Lion, mas ao praticar a frase intemporal celebrada em Sanhedrim, 37, Talmude; quem salva uma vida é como se tivesse salvo a humanidade, teve alma que se comportou como um Companheiro no céu da perfeição. "

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